DINHEIRO PÚBLICO 23/02/2012 - 01h30
A Justiça Estadual mandou jogar no fogo quase 11 mil caixas de castanhas de caju que apodreceram num dos armazéns da Conab. O estoque estava penhorado pelo BB como única garantia para abater uma dívida federal, feita há dez anos por cajucultores cearenses
A essa hora, talvez ainda restem alguns quilos para botar no fogo. Assim disse o porteiro da fábrica Roguimo, que produz cera de carnaúba. A indústria fica no km 12,5 da BR-222. É lá que 263 toneladas de castanhas de caju, uma pequena montanha do produto que já esteve pronto para exportação, estão sendo usadas como... lenha. E pior: porque apodreceram sem alimentar ninguém e eram a única garantia de um empréstimo milionário feito junto ao Governo Federal.
O POVO tentou fazer o registro fotográfico da incineração na semana passada, última quarta-feira, dia 15, mas os donos da empresa não autorizaram o acesso. É tanta castanha que a incineração começou desde o fim de janeiro e ainda há bastante “lenha” para jogar às labaredas. A situação inusitada é parte de uma grande pendenga judicial entre gente da cajucultura cearense e o setor de cobrança do Banco do Brasil (BB). Uma história que começou há mais de dez anos. A verba federal, repassada através do Banco do Brasil, teria sido superior a R$ 6 milhões, mas a dívida nunca foi saldada.
As amêndoas estragaram após uma década de entraves jurídicos protagonizados pelo BB e as partes devedoras: a Cooperativa dos Produtores de Caju do Ceará (Cocaju) e as empresas Irmãos Fontenele S/A e Agroindustrial Gomes. Os 263.328 quilos chegaram a ser recolhidos pelo banco em 2002 para penhora judicial. Um ano depois do vencimento para pagar o empréstimo, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em fábricas de Fortaleza e Uruburetama. Seriam a garantia da dívida.
Desde setembro daquele ano, porém, ficaram armazenadas num dos galpões da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em Maracanaú. Sem que fossem negociadas ou nem sequer doadas para instituições de caridade, enquanto poderiam ter sido. “Nós apenas alugávamos os galpões”, garante o superintendente da Conab, Eudes Guedes.
Foi lá, pelo tempo, que se deterioraram. As castanhas estavam embaladas em 10.972 caixas (de 24 kg cada). Era um estoque da safra 2000/2001. Já não serviam mais nem para adubo ou alguma possibilidade de consumo animal ou humano. Uma carga dessas fica perecível após dois anos. O tipo de embalagem era o ideal para exportação, mas válido apenas no prazo devido. A decisão para que fossem jogadas ao fogo foi definida pela juíza estadual Dilara Pedreira Guerreiro de Brito, da 1ª Vara Cível, no dia 14 de novembro do ano passado. A própria Conab requisitou a incineração. Já nos primeiros anos de armazenamento foi confirmado que o produto havia apodrecido.
E Agora
ENTENDA A NOTÍCIA
E quem pagará essa conta, gerada com dinheiro público? O Banco do Brasil confirma que seguirá o processo judicial, para cobrar o empréstimo feito pelos cajucultores locais. As empresas já não têm o porte financeiro de uma década atrás e a Cocaju nem existe mais.
Números
263.328
Quilos é a quantidade de castanhas de caju que está sendo incinerada, após terem apodrecido nos armazéns da Conab
200
Gramas é o peso médio de um pacote de castanhas que costuma ser adquirido por consumidores em pontos de venda
13.166.400
Pacotes de 200g é a quantidade que a carga incinerada poderia ser transformada
R$ 6
milhões é o valor do débito que estaria sendo cobrado pelo BB, segundo o advogado da Cocaju. O BB não conforma a cifra
milhões é o valor do débito que estaria sendo cobrado pelo BB, segundo o advogado da Cocaju. O BB não conforma a cifra
Fonte: O Povo (Clique Aqui!)
DEU ERRADO 23/02/2012 - 01h30
Ex-presidente da extinta Cocaju não sabia do destino da carga
Um dos personagens executados no processo de cobrança da dívida, o ex-presidente da Cocaju, Paulo de Tarso Meyer, nem sabia do destino inflamável dado às toneladas de castanhas. A cooperativa hoje é extinta. Meyer preside agora o Sindicato dos Produtores de Caju do Ceará (Sincaju).
“A Cocaju foi criada numa parceria entre o Governo Estadual, o sindicato dos produtores e o das indústrias, e também as empresas. Era para acabar com atravessadores que negociavam a castanha dos pequenos e médios produtores. Vendíamos para as indústrias e elas assumiam pagar os EGFs (empréstimos do Governo Federal)”, descreve. A verba da época seria do Ministério da Agricultura.
Meyer disse que chegaram a ser feitos quatro EGFs. “O acordo para liberação dos empréstimos foi respaldado na época pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, Sincaju (produtores), Sindicaju (das empresas), Banco do Brasil, Fiec (Federação das Indústrias) e Faec (Federação da Agricultura). Não tinha como dar errado”, conta.
Foi Meyer que apontou as empresas Irmãos Fontenele e Agroindustrial Gomes como não cumpridoras do acordo. Acrescenta que “a Indústria Iracema era outra participante, mas que cumpriu a parte dela”.
O valor de R$ 6 milhões, que seria o débito feito, foi informado ao O POVO pelo advogado Armando Cordeiro de Farias, que também é réu na cobrança feita pelo BB e atua no processo representando a Cocaju. O próprio Banco do Brasil, através de sua assessoria de imprensa no Ceará, não informa a quantia emprestada. Num documento que consta no processo, as quase 11 mil caixas de castanha foram avaliadas por R$ 1.118.438,04.
O POVO procurou as empresas citadas por Meyer. Na Irmãos Fontenele, o contato foi feito na última quinta-feira (16). A secretária, de nome Vera, prometeu retornar a ligação. Os telefones disponibilizados na Internet para a Agroindustrial Gomes não completaram a ligação. A informação dada por Armando Cordeiro é que a empresa, que fica em Uruburetama, não funciona mais. O Banco do Brasil confirmou, por nota, que, mesmo com a penhora incinerada, “segue com o processo judicial (nº 602337-68.2000.8.06.0001) com o objetivo de recuperar seus créditos”. (CR)
Fonte: O Povo (Clique Aqui!)
REALIDADE PRODUTIVA 23/02/2012 - 01h30
"É pouco, mas não é uma situação comum"
O economista rural Mavignier França, consultor na área agrícola, diz que as 263 toneladas de castanha de caju incineradas são uma quantia insignificante dentro da realidade produtiva no Ceará. “É pouco, mas não quer dizer que essa seja uma situação comum (de tantos quilos do produto serem lançados ao fogo)”. Segundo ele, a produção média de castanha no Estado chega a 100 mil toneladas/ano. E de cada quilo, 22% são de fato a amêndoa que seguirá para exportação.
Como deveria ter sido a quantidade que agora virou lenha. O mercado interno consome apenas 15% do produto.
Como deveria ter sido a quantidade que agora virou lenha. O mercado interno consome apenas 15% do produto.
O consultor explica que, em deterioração, a castanha costuma ficar rançosa, emitir mau cheiro e juntar substâncias tóxicas. “A partir do segundo ano, a castanha começa a perder a validade”. Mavignier garante que a Conab faz um acondicionamento adequado, com armazém coberto, circulação de ar apropriada, estocadas sobre estrados e com corredores entre os lotes. “Mas nenhuma resistiria tanto tempo”.
A Cocaju, segundo o advogado Armando Cordeiro de Farias, reunia mais de 200 pequenos produtores de várias cidades cearenses. “Tinha de Itapipoca, Ocara, Aracati, Bela Cruz, Russas, Cascavel... Eram de muitos lugares. Só alguns assinavam o convênio, mas vários ajudavam na produção, então eram pra mais de 800 produtores”, enumera. Mavignier França fala que no Ceará há 150 mini-fábricas de processamento de castanhas. “E dessas, só 20 funcionam plenamente”, diz o consultor. (CR)
Fonte: O Povo (Clique Aqui!)
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